É durante o período da infância que o desenvolvimento da criança se dá com maior rapidez. É também este um período de maior importância, pelo facto de a nível neurológico se estarem a desenvolver ainda as suas estruturas. Até cerca dos 3 anos de idade, as birras ganham significado para o desenvolvimento da criança. Segundo Cordeiro (2011), as birras fazem parte da condição humana e são a expressão de uma multiplicidade de sentimentos.
A verdade é que crianças imaturas do ponto de vista neurológico, não são ainda capazes de aceder a processos mentais mais complexos e a saber lidar, adequadamente, com as suas frustrações (Mireault, et al., 2008). As birras têm por isso uma função reguladora, permitindo à criança conhecer o mundo. A criança, ao fazer birra, descobre e compreende os seus limites e inicia um processo de maior interpretação de regras.
É pois, através das birras, que a criança compreende palavras e significados mais concretos. Quando a criança ouve a palavra “não”, tem dificuldade em interpretar até onde esse “não” a orienta ou até onde ela se sente segura. Deste modo, o dizer “não” para uma criança, assume uma função reguladora mais do que uma posição castradora.
Mas qual a verdadeira função das birras?
Na 1ª infância começa a definir-se o caminho da identidade, surgem continuamente novos desafios e a criança procura o seu espaço, tentando realizar conquistas e manifestar-se. Esta fase é também caracterizada por um período de grandes frustrações. A criança procura chegar até algum objeto que se encontra mais longe, procura desafiar o adulto numa tentativa de ultrapassar limites, mas sente dificuldade em compreende-los. Tem dificuldade em aceitar ordens concretas.
As birras surgem naturalmente, como forma da criança se expressar. A criança procura, através do seu comportamento, transmitir aos outros que se sente insegura ou que não os compreende. A forma mais simples de resolver o seu problema é muitas vezes atirar-se para o chão, gritar, chorar ou até mesmo atirar com objetos. Por vezes, a criança tem desejos que não podem ser consentidos e aos quais têm dificuldade em aceitar um “não”. Porquê?
Certamente é fácil compreender que quando o bebé é ainda muito pequeno, sempre que chora por comida, essa comida rapidamente lhe é disponibilizada. Quando tem a fralda suja, rapidamente existe a sua muda. Ao longo do tempo, a criança é educada para que às suas necessidades seja dada uma resposta o mais rapidamente possível. Quando se começa a crescer, esses timings começam a ser cada vez mais latos e amplos. A criança tem, por isso, dificuldade em compreender a diferença temporal das respostas. As birras, são também o meio pelo qual a criança aprende a compreender que existem tempos diferentes e que nem sempre o que se quer, pode ter uma resposta rápida. Não quer dizer contudo que seja fácil lidar com elas.
A raiva e a angústia são duas das emoções que se sobrepõem na expressão das birras. Normalmente a raiva surge logo no início da birra e vai diminuindo posteriormente. São exemplos físicos da raiva o pontapear, gritar, empurrar, agitar as mãos, bater o pé. Quanto à angústia esta é expressa através do chorar ou choramingar, procurar o conforto ou simplesmente deixar-se cair imóvel no chão. Normalmente estes últimos comportamentos tendem a aumentar ao longo da birra (Potegal, Kosorok & Davidson, 2003; Potegal et al., 2009).
O facto de uma criança fazer poucas birras, não deve ser interpretado como fonte de orgulho por parte dos cuidadores. Pode eventualmente ser um sinal de alerta. Mais importante que a quantidade dessas mesmas birras é, sobretudo, o contexto em que ocorrem.
Segundo Queirós, Goldschmidt, Almeida e Gonçalves, num artigo publicado em 2003, tendo por base “O Outro Lado das Birras”, consideram que na 1ª infância as birras assumem uma caracterização do desenvolvimento psicoafectivo normal da criança. No entanto referem “as birras incontroláveis, assim como a agressividade excessiva e os estados de agitação, pela disrupção que provocam na dinâmica familiar, constituem um dos principais motivos de consulta”.
Dicas para contornar as birras:
Manter a calma, embora seja um ponto extremamente difícil, é bastante importante. Quanto mais nos descontrolarmos, mais vamos dar à criança a sensação de poder. Gritar com a criança, não vai fazer com que esta perceba verdadeiramente o que está a acontecer. O mais sensato que podemos fazer é tranquilamente, levar a criança a compreender que a birra é desnecessária. Ajudar a criança a acalmar-se, conversando e transmitindo-lhe segurança e compreensão ajudará a mesma a autorregular-se. Depois de um “não” dado não há que voltar atrás. Um dos maiores erros cometidos é quando a criança, vence o adulto pelo cansaço. Quando após um “não” lhe é concedido o seu desejo, como forma de tentar que a birra passe, a verdade é que a birra dessa vez pode até passar, mas numa segunda vez a duração e a intensidade da birra irá aumentar. A criança terá então ainda mais dificuldade em lidar com a resposta dada e mais dificuldade terá em compreender. Bater, mesmo que apenas uma palmada ou ameaçar que se vai bater, só vai estimular a agressividade da própria criança. Através da aprendizagem social, a criança irá replicar o que presenciou por achar ser o mais correcto.
Referências Bibliográficas:
- Cordeiro, M. (2011). O grande livro dos medos e das birras (1ª Edição). Lisboa: Esfera dos Livros.
- Potegal, M., Kosorok, M., & Davidson, R. (2003). Temper tantrums in young children: 2. Tantrum duration and temporal organization. Developmental and Behavioral Pediatrics, 24(3), 148-154.
- Queirós, O., Goldschmidt, T., Almeida, S., & Gonçalves, M. (2003). O outro lado das birras. Análise Psicológica, L(XX), 95-102.
- Potegal, M., Carlson, G., Margulies, D., Gutkovitch, Z., & Wall, M. (2009). Rages or temper tantrums? - The behavioral organization, temporal characteristics, and clinical significance of angry-agitated outbursts in child psychiatry inpatients. Child Psychiatry and Human Development, 40, 621-636.
Artigo da autoria da Psicóloga:
Filomena Conceição
CP 15707
Cátia Silva
Cursos de Francês (Nível)
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Enfermeiros Chefe para Nursing Homes no Reino Unido - Inglaterra