Neoplasia da Mama e Aspetos Psicológicos

O que é a neoplasia da mama e qual a sua prevalência?
De acordo com Moisão (2001), a neoplasia da mama é a primeira causa de morte por doença maligna e a quinta causa de morte da mulher portuguesa, pois o diagnóstico é feito numa fase bastante avançada da doença (Cardoso da Silva; cit. in Rebelo, Rolim, Carqueja & Silva Ferreira, 2007), sendo que existem repercussões a nível físico, psicológico, familiar e social (Ramos & Patrão, 2005; Afonso, Amaro, Araújo, Santos & Miguel, 2008). De referir que existem vários tipos de cancro da mama (como por exemplo o adenocarcinoma ou o carcinoma inflamatório da mama) e, com o passar do tempo, os meios complementares de diagnóstico são mais precisos, sofisticados e existem diversos, tais como a mamografia, a ecografia mamária, a radiologia convencional, a TAC, a ressonância magnética nuclear mamária, a cintigrafia óssea, a mamografia com estereotaxia, o sistema de biopsia por vácuo, a citologia aspirativa com agulha fina, a core-biopsy, os exames histológicos, os marcadores biológicos e os tumorais.

Como detetar uma neoplasia da mama?
Um comportamento fundamental para detetar precocemente uma neoplasia da mama é o rastreio, ou seja, é necessário que se seja promovida a adesão ao rastreio do cancro da mama (Teixeira, 2008). Como este comportamento exige uma regularidade periódica, verifica-se que o processo da adesão se torna complexo e difícil. De acordo com o mesmo autor, a investigação psicológica tem-se dedicado a este facto, com base em determinados modelos teóricos. Segundo o Modelo de Crenças de Saúde, o comportamento de adesão ou não adesão está diretamente relacionado com a avaliação individual (subjetiva) que a pessoa faz da situação, tendo em conta os custos/benefícios de realizar o rastreio. No entanto, outros fatores são considerados, tais como a história de cancro da mama na família, a ansiedade face ao exame a realizar e um estilo cognitivo monitorizador, que tende a transformar informação ameaçadora em preocupação. No caso de haver ausência de sintomas, existe um reforço para a baixa adesão ao rastreio; a teoria do comportamento planeado defende que a adesão está relacionada com as normas do grupo a que pertence (família, amigos) e com a influência da recomendação que o médico faz. De acordo com esta teoria é necessário que haja um aconselhamento antes de realizar os exames e é importante planificar a ação (como, quando e onde), de acordo com o locus de controlo de saúde, o locus de controlo externo está diretamente relacionado com a adesão ao rastreio, pois é visto como um exame indicado pelo médico; o modelo da autorregulação do comportamento preventivo do rastreio defende que existe uma relação entre as representações que a pessoa tem de senso comum e as respostas emocionais, como o medo, ou seja, a hipótese da mulher poder vir a ter cancro associada ao medo, leva à realização dos exames, ou, por outro lado, pode levá-la a não realizar os exames como forma de estratégia protetora. Assim, é possível afirmar que existe uma interação entre os estados emocionais e a tomada de decisão; e por último o modelo de mudança de comportamentos por fases, ou seja, a adesão ao rastreio ocorre por etapas, sendo que a primeira é a pré-contemplação, a segunda a contemplação, seguindo-se a preparação, a ação e a manutenção. É possível verificar que as mulheres que nunca realizaram o rastreio ou que o fazem com menos frequência, colocam mais obstáculos ao mesmo do que benefícios. De um modo geral e de acordo com o mesmo autor, observa-se que existem fatores inibidores da adesão ao rastreio (medo do cancro da mama, escassa informação sobre o valor do rastreio, medo do resultado positivo, perceção elevada dos custos e baixa dos benefícios) e fatores facilitadores da adesão (adoção de atitudes preventivas, informação acerca da importância do rastreio, reforço positivo por parte de pessoas significativas, recomendação médica e perceção dos benefícios em detrimento dos custos). No entanto, de acordo com diversos autores (Gebrim, Shida, Mattar & Madeira, 2010) o número de pessoas a realizar o rastreio tem vindo a aumentar, o que indica também que existe maior número de casos em que o cancro tem sido descoberto em estádios iniciais.

A cirurgia
Relativamente à cirurgia, esta pode ocorrer devido a doenças malignas e a doenças benignas, sendo que por vezes as doentes estão sinalizadas com uma patologia benigna mais tarde deparam-se com um resultado histológico de malignidade (Moisão, 2001). No entanto, a terapêutica desta neoplasia é de uma abordagem multidisciplinar, pois para além da cirurgia pode ser necessário que exista quimioterapia e/ou radioterapia, que estão relacionadas com o estádio da doença, com análise de vários exames, com a idade da doente e com a sua preferência, após ter sido informada acerca dos efeitos secundários (Rebelo, Rolim, Carqueja & Silva Ferreira, 2007). No caso da quimioterapia, esta pode ser neoadjuvante (ocorre antes da cirurgia), adjuvante (complementar à cirurgia) ou terapêutica (em estádios mais avançados da doença e que não existe indicação cirúrgica). Por outro lado, a radioterapia é fundamental como um complemento, por exemplo, à cirurgia conservadora (Moisão, 2001; Ramos & Patrão, 2005).

A reabilitação
No que diz respeito à reabilitação das doentes, existem determinados objetivos a alcançar, tais como: controlar a dor, aumentar as amplitudes articulares, diminuir o linfedema, libertar cicatrizes, melhorar a postura e a função do membro superior, contribuir para a diminuição de complicações, estimular a realização das atividades da vida diária o mais rápido possível e, por último, promover a qualidade de vida da doente (Gerber & Vargo cit. in Afonso, Amaro, Araújo, Santos & Miguel, 2008). No entanto, é fundamental ter sempre em conta um plano individualizado e as necessidades específicas da pessoa. Assim, o fisioterapeuta desempenha um papel fundamental no pós-cirúrgico, não só na reabilitação, mas também na prevenção de sequelas do tratamento (Afonso, Amaro, Araújo, Santos & Miguel, 2008). Nesta linha, segundo Bohn et al (cit. in Afonso, Amaro, Araújo, Santos & Miguel, 2008), os doentes que são integrados nestes programas de reabilitação recuperam mais rapidamente, sentem-se mais seguros e revelam menor dificuldade no processo de recuperação. De forma a evitar determinadas deformidades posturais, o tratamento deve ser iniciado no pós-operatório imediato.
De acordo com Afonso, Amaro, Araújo, Santos e Miguel (2008) deve existir uma equipa multidisciplinar constituída por um fisioterapeuta, um médico fisiatra e um psicólogo que realize sessões de grupo, com o objetivo de educação à nova condição da pessoa e a equipa deve também realizar uma abordagem teórica sobre a anatomia da mama, a cirurgia em si, os cuidados a ter no pós-operatório, as consequências dos tratamentos, a reconstrução mamária e o apoio psicológico. Assim, esta equipa deve auxiliar a pessoa a retomar as atividades diárias, melhorar a qualidade de vida, contribuir para uma melhor integração social, atenuar o medo do movimento, diminuir o risco de aparecimento ou de complicações pós-cirúrgicas, melhorar o autoconceito, promover a consciencialização corporal e reforçar a importância do exercício físico.

Aspetos psicológicos
Relativamente a questões psicológicas, é possível verificar que o primeiro impacto emocional do diagnóstico se relaciona com sentimentos de perda e com a perceção de que a morte está perto (Hernandez, Parker et al. cit. in Rebelo, Rolim, Carqueja & Silva Ferreira, 2007). Nesta fase inicia-se um trajeto de sofrimento, sentimentos de mal-estar, tristeza, e quando existe a consciencialização por parte da pessoa, esta começa a fase da aceitação (Hernandez, Parker et al. cit. in Rebelo, Rolim, Carqueja & Silva Ferreira, 2007). Nesta linha, Holland e Rowland (cit. in Rebelo, Rolim, Carqueja & Silva Ferreira, 2007) descreveram as seguintes reações emocionais provocadas pela doença: morte, dependência, desfiguração, incapacidade, separação/rutura e desconforto.
Meyerowitz (cit. in Ramos e Patrão) refere que a neoplasia da mama interfere a três níveis: desconforto psicológico (ansiedade, depressão), mudanças nos padrões de vida decorrentes desse mesmo desconforto e medo/preocupações relacionadas não só com a cirurgia, mas também com a morte. Assim, o diagnóstico desta patologia provoca determinadas reações, como o medo dos tratamentos, a dúvida e a ansiedade; e respostas psicológicas associadas a determinadas características da identidade feminina, tais como a sexualidade, a maternidade e imagem corporal (Bertero, Melo et al., Trill & Goyanes cit. Rebelo, Rolim, Carqueja & Silva Ferreira, 2007). O diagnóstico de neoplasia da mama é, na maioria dos casos, um fator que causa bastante stress e que provoca alterações negativas em várias dimensões da vida da pessoa, como disfunção sexual e a nível da imagem corporal (Bloom et al., Lindley et al., Taylor et al. cit. in Rebelo, Rolim, Carqueja & Silva Ferreira, 2007). Relativamente ao último aspeto, este pode ocorrer também devido aos tratamentos, pois estes são, de um modo geral, bastante agressivos. Assim, o Psicólogo deve trabalhar a questão da imagem corporal, tendo em conta não só a aparência física, mas também a perceção do corpo como intacto (Palhinhas, cit. in Ramos & Patrão, 2005) e deve também avaliar as repercussões nos relacionamentos interpessoais, e especificamente, nas relações íntimas e sexuais (Bertero, cit. in Rebelo, Rolim, Carqueja & Silva Ferreira, 2007), pois no caso da quimioterapia, esta pode interferir negativamente com a função sexual e com a líbido, uma vez que afeta a produção de hormonas sexuais. De referir ainda que a mama tem uma simbologia da sexualidade por excelência, o que indica que uma patologia que afete este órgão dê origem à perda da autoestima, causando sentimentos de inferioridade e rejeição (Ramos & Patrão, 2005).
De acordo com Vicente (2008) e Rebelo (2008) nestas pacientes é necessário que o Psicólogo: realize uma avaliação do impacto psicológico do diagnóstico e, do internamento (caso exista); promova o ajustamento à doença; facilite a expressão emocional e diminua o sofrimento, fornecendo o devido suporte; faça uma avaliação das estratégias de confronto face à cirurgia; realize uma preparação pré-cirúrgica de modo a diminuir a ansiedade; execute uma avaliação das expectativas em termos de representação de custos/benefícios; prepare a pessoa para a alta; potencie a utilização de estratégias de coping adequadas; aborde as relações familiares; modifique o que é disfuncional; previna e reduza sintomas emocionais; compreenda a experiência do adoecer; promova o bem-estar psicológico; diagnostique distúrbios psicopatológicos; facilite uma adaptação ao diagnóstico e tratamentos.

Bibliografia
Afonso, G.; Amaro, A.; Araújo, G.; , Santos, O. & Miguel, S. (2008) Reabilitação Física no Cancro da Mama. Boletim do HPV, v. XXI, nº 2
Dallagnol, C.; Goldberg, K. & Borges, V. (2010) Entrevista Psicológica: Uma perspectiva do contexto hospitalar. Revista de Psicologia da IMED, v. 2, nº 1
Gaudêncio, C.; Sirgo, A.; Perales-Soler, F. & Amodeo-Escribano, S. (2000) Intervenção Psicológica em Cirurgia. Psicologia em Estudo, v.5, nº 2
Gebrim, L.; Shida, J.; Mattar, A. & Madeira, M. (2010) Indicações da Cirurgia Conservadora no Câncer de Mama. Feminina, v. 38, nº 11
Moisão, J. (2001) Núcleo de Doenças da Mama do Hospital Pulido Valente – Resultados de 10 anos de trabalho. Boletim do HPV, v. XVI, nº 3
Moisão, J. (2008) A Terapêutica Cirúrgica do Cancro da Mama. Boletim do HPV, v. XXI, nº 2
Ogden, J. (2004) Psicologia da Saúde. Climepsi Editores: Lisboa. 1ª Edição
Oliveira, R. (2001) Psicologia Clínica e Reabilitação Física. ISPA: Lisboa. 1ª Edição
Ramos, A. & Patrão, I. (2005) Imagem Corporal da Mulher com Cancro de Mama: Impacto na qualidade do relacionamento conjugal e na satisfação sexual. Análise Psicológica, v. XXIII, nº 3
Rebelo, A. (2008) O Impacto Psicológico da Cirurgia. Boletim do HPV, v. XXI, nº 2
Rebelo, V.; Rolim, L.; Carqueja, E. & Silva Ferreira (2007) Avaliação da Qualidade de Vida em Mulheres com Cancro da Mama: um estudo exploratório com 60 mulheres portuguesas. Psicologia, Saúde & Doenças, v. 1, nº 8
Teixeira, J. (2008) Psicologia e Adesão ao Rastreio do Cancro da Mama. Boletim do HPV, v. XXI, nº 2
Trindade, I. & Teixeira (2000) Psicologia nos cuidados de saúde primários. Climepsi Editores: Lisboa. 2ª Edição
Vicente, A. (2008) Protocolo de Intervenção do Serviço de Psicologia Clínica do Hospital Pulido Valente na Patologia Mamária. Boletim do HPV, v. XXI, nº 2

Serviço de Psicologia Janela Aberta
psicologia.janelaaberta@gmail.com 
https://www.facebook.com/psicologiajanelaaberta
http://psicologia-janela-aberta.webnode.com

No Comments Yet.

Leave a comment